terça-feira, 24 de maio de 2011

o uso da tecnologia na aprendizagem de linguas


A PESQUISA SOBRE INTERAÇÃO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS MEDIADAS PELO COMPUTADOR




Este texto traz reflexões sobre a pesquisa no campo da interação e da aprendizagem de línguas mediadas pelo computador e apresenta um levantamento de investigações, no Brasil e no exterior, com foco nos métodos de pesquisa. Através desse mapeamento, são identificados os instrumentos que têm sido mais utilizados para se estudarem os temas recorrentes, tais como o impacto das novas tecnologias na aprendizagem de línguas no ambiente virtual; a interação on-line; a elaboração e a avaliação de materiais didáticos. É feita ainda uma reflexão sobre a adaptação dos métodos de pesquisa tradicionais para o contexto digital e sobre a ausência de uma base teórica específica para as pesquisas da área.
Palavras-chave: pesquisa; interação on-line; aprendizagem de línguas em ambiente digital


This paper presents a discussion on computer assisted language learning and online interaction in an attempt to identify the research methods which have been used for investigations carried out in Brazil and abroad. This research mapping reveals the main research tools which have been used in the study of recurrent themes, such as the impact of technology in language learning in the virtual environment; on-line interaction; material development and material evaluation. The adaptation of traditional research methods for the digital context and the absence of specific theoretical support for that area are also discussed.
Key words: research; online interaction; computer assited language learning


            É crescente o interesse dos pesquisadores pela interação e a aprendizagem de línguas mediadas pelo computador. Esse interesse se revela na crescente produção de dissertações e teses nos programas de pós-graduação, tanto em estudos lingüísticos quanto em lingüística aplicada. No Programa de Pós-graduação em Estudos Lingüísticos da UFMG, para nos limitarmos a um exemplo apenas, já foram conduzidas as seguintes pesquisas: A colaboração on-line como subsídio para o desenvolvimento profissional de professores de línguas; A Internet como ferramenta auxiliar em sala de aula de língua inglesa: percepções de duas professoras; O “chat” em língua inglesa: interações nas fronteiras da oralidade e da escrita; Concepções sobre leitura e suas implicações práticas encontradas na elaboração de um curso on-line; Leitura em ambiente multimídia e a produção de inferência; Mecanismos de edição e de auto-edição interacional: mal entendido e reparo na interação via e-mail em contexto educacional; Aprendizagem de línguas em Tandem: estudo da telecolaboração através da comunicação mediada pelo computador; Leitura em ambiente multimídia: a produção de inferências por parte do leitor a partir da compreensão de hipertextos; Internet: novas perspectivas noensino/aprendizagem de francês língua estrangeira; Percepção de aprendizes da primeira série do ensino médio sobre a integração da internet à sala de aula de inglês: um estudo de caso; Aprendizagem de Línguas em Regime de Tandem via E-mail: colaboração, autonomia e estratégias sociais e de compensação; Aprendizagem de Língua inglesa via Internet: estratégias de aprendizagem e manifestações da autonomia do aprendiz; A construção do CiberProfessor para o Ensino de Língua Estrangeira: qual a distância entre a teoria e a prática?; Do quadro de giz para a tela do computador.
A Internet é um excelente instrumento para coleta de dados e, como lembram os sociólogos Mann e Stewart (2002, p. 5), citando Walther (1999, p.1), “a pesquisa na Internet não se restringe ao estudo do comportamento on-line (o que as pessoas fazem em ambientes virtuais e mediados), mas inclui também ferramentas próprias e seus usuários para se estudar o comportamento humano em geral.”
Para exemplificar este último caso, os autores citam pesquisas, cujos dados foram coletados através da comunicação mediada pelo computador (CMC), minimizando restrições de tempo, espaço e dinheiro.  Esses estudos foram feitos com participantes em diferentes continentes, possibilitando aos pesquisadores ouvir as vozes de pessoas portadoras de necessidades especiais e grupos marginalizados, como pais homossexuais, por exemplo, que tiveram suas identidades preservadas em função do tipo de tecnologia utilizada.
Mann e Stewart se qualificam como pesquisadores qualitativos ativos e têm conduzido, com sucesso, projetos de pesquisa em longa escala, utilizando CMC para a coleta de dados. Mann foi responsável por uma investigação, na Universidade de Cambridge, sobre experiências sociais e acadêmicas de duzentos graduandos. Em vez de encontrá-los face a face, optou por entrevistas semi-estruturadas on-line e diários on-line. Os autores relatam também que Stewart, em parceria com Eckerman, conduziu um estudo sobre percepções sobre riscos de vida utilizando grupos focais on-line e teve como participantes jovens nas Ilhas Fiji, China, Austrália e Malásia. Tal abrangência só foi possível graças à interação via Internet.
            A CMC possibilita coleta de dados de forma rápida e econômica, pois podemos reunir, em pouco tempo, uma grande quantidade de informações, englobando muitos informantes ou participantes. No entanto, se, por um lado, vencemos barreiras de tempo e espaço, nem sempre temos o retorno esperado. É comum que muitas pessoas contatadas não respondam, especialmente, quando o pedido é feito em listas de discussão com grande número de pessoas desconhecidas e, por isso mesmo, sem compromisso de colaborar com o outro e sem risco de receber cobrança pessoal. Isso não quer dizer, entretanto, que a coleta de dados na forma tradicional seja sempre uma tarefa bem sucedida e sem problemas. Não há como negar, no entanto, que o universo pesquisado fica muito mais restrito quando a coleta é face a face.
            O anonimato possibilitado pela Internet é outro aspecto que apresenta dois lados da mesma moeda. Por um lado, faz com que as pessoas contribuam de forma mais espontânea, principalmente quando confrontadas com perguntas embaraçosas e que seriam constrangedoras em interações face a face. Por outro lado, em alguns contextos, não temos certeza, sequer, sobre o gênero da pessoa com a qual estamos interagindo em salas de chat ou ambientes de web board ou fórum, por exemplo. Assim, esse “eu virtual” pode ser uma dificuldade para a confiabilidade dos dados, pois identidades são escamoteadas ou projetadas quando interagimos com o outro, com maior ênfase quando estamos mediados pelo computador.
            Mann e Stweart (2000, p. 22) acreditam que a coleta de dados com ferramentas da Internet elimina a possibilidade de transcrições tendenciosas, pois substitui a paráfrase ou sumários das falas dos participantes pelo pesquisador. Além disso, os autores lembram que é caro pagar pelas transcrições (quando esta é a opção), pois demandam muito tempo para serem realizadas. Acrescentam ainda que as entrevistas digitais são verbatim e nada é deixado de fora.
            Outras vantagens dos dados coletados digitalmente são: a possibilidade de transformação de dados digitais textuais em arquivos de som ou vice-versa e em texto impresso; a facilidade na manipulação de muitos dados através de palavras-chave, contagens de palavras, classificações, inserção de comentários, etc; e a facilidade de armazenamento e de transferência de dados.
Mann & Stewart (2002, p.189) indagam se CMC é um modo eficaz de pesquisa e eles mesmos respondem, dizendo que a CMC tem a vantagem de congregar traços da linguagem oral e da linguagem escrita, possibilitando o acesso aos significados no nível do envolvimento interpessoal (associado à interação oral) e a expansão do pensamento (associado à modalidade escrita).
No entanto, Paccagnella (1997:10) adverte que “não é seguro considerar esses dados como um tipo de realidade objetiva congelada pelo computador. As mensagens arquivadas e os registros são representações do fenômeno on-line na percepção dos participantes”. Ele lembra, ainda, que “esses registros ignoram as experiências reais dos participantes em seus próprios teclados, em suas casas, em várias partes do mundo”.
O meu interesse, neste trabalho, é ver como estão sendo conduzidas as pesquisas que investigam os comportamentos on-line em contextos de interação ou de aprendizagem mediadas pelo computador. Pretendo verificar se novos conceitos e categorias de análise surgiram ou se os pesquisadores continuam recorrendo aos construtos dos ambientes presenciais.
Os pesquisadores na área de línguas têm utilizado em suas investigações, tanto em trabalhos sobre interação quanto sobre aprendizagem, teorias geradas por dados empíricos de contextos face a face, tais como a análise conversacional, a lingüística textual, e vertentes diversas da análise do discurso. Até o momento, não foi feita nenhuma avaliação da pertinência desses suportes teóricos.
Levy (2000, p.184) levanta uma questão relevante em relação às pesquisas descritivas que têm como ponto de partida os arcabouços da pesquisa de fenômenos face a face. Segundo o autor, até podemos recorrer aos instrumentos da pesquisa sobre interação face a face, mas nos aconselha a ter cautela com os mesmos, pois eles podem ser inadequados devido ao surgimento de novos fenômenos. Para exemplificar, ele traz o exemplo do chat:
Considere as qualidades específicas do chat na Internet comparada com a conversa face a face. Na sala de chat, são necessárias as habilidades de digitação e a conversacional simultaneamente, mas a interação é escrita. Como a habilidade de digitação varia muito, há uma tendência de alta tolerância aos erros no chat. Os usuários devem ter também habilidades conversacionais. Os turnos são estritamente seqüenciais – não há sobreposições – e as respostas podem aparecer separadas das perguntas com as quais se relacionam. A compreensão da leitura é o ponto crítico e não as habilidades de compreensão oral. A ‘conversa’ que resulta desse ambiente tem seu próprio ritmo e sua própria dinâmica, que são muito diferentes da conversa face a face. Há muitas variáveis em jogo e a pesquisa atual apenas arranha a superfície.

Levy tem razão ao suspeitar que as categorias já estabelecidas para a análise das interações face a face não sejam totalmente adequadas. A interação no ambiente digital, mesmo guardando semelhanças com a conversa face a face, apresenta muitas diferenças. Ele afirma, por exemplo, que não ocorrem sobreposições nas interações virtuais. No entanto, mesmo sentindo falta de uma terminologia melhor, considero que, no ambiente digital, temos fenômenos semelhantes. Cito como exemplo, o fato de pessoas digitarem seus ‘enunciados’ ao mesmo tempo, ou, ainda, atrasos na publicação desses enunciados, devido a características da própria máquina que interfere na organização textual. Esses textos, quando aparecem na tela, nem sempre guardam relação icônica com os tempos de produção dos enunciados. Enfim, é necessário, observar esse e outros fenômenos mais de perto e entender o que está acontecendo a partir deles mesmos e não através de categorias já postas, mesmo sendo elas bons pontos de partida. É necessário investigar se o que acontece na CMC é semelhante à interação face a face ou se existem outros tipos de fenômenos que não podem ser compreendidos pelas categorias pré-existentes.

A pesquisa etnográfica virtual ou a etnotecnologia

Se queremos investigar as várias situações de CMC, uma pergunta relevante seria “o que está acontecendo aqui?”, pergunta típica das pesquisas de orientação etnográfica.
Na pesquisa etnografia clássica, o pesquisador se integra à comunidade pesquisada durante um bom período, Ele observa o que está acontecendo, faz perguntas e coleta todos os tipos de dados possíveis. Seria esse tipo de investigação apropriada ao ambiente virtual? Hine (1998) assegura que sim ao ver a Internet como um contexto social e ao mesmo tempo como um artefato cultural. Ela propõe investigar não somente “como as pessoas usam a Internet, mas também as práticas que tornam aqueles usos da Internet significativos em contextos locais”. Hine afirma que a Internet proporciona conexões complexas e permite ao etnógrafo transitar por vários contextos culturais. Segundo ela, “a idéia de uma etnografia em sites múltiplos é, certamente, provocativa para um estudo de uma tecnologia ubíqua como a Internet” (p. 5). Ao denominar esse tipo de pesquisa de “etnografia virtual”, Hine atribui ao termo virtual vários significados: incerteza em relação a tempo, espaço e presença e um certo sentido de incompletude, ou seja, do “quase” em oposição ao estritamente “real”.
Guribe e Wasson (2002) também discutem a etnografia em contextos híbridos para investigar as práticas do uso das tecnologias em organizações e como as características do sistema ajudam ou atrapalham o que as pessoas fazem. Os autores chamam a atenção para dois aspectos importantes a serem considerados nas pesquisas etnográficas em ambientes virtuais de aprendizagem: o contexto como sendo composto do que ocorre on-line e off-line e a tecnologia em ação, ou seja, o conjunto de ferramentas, configurações, e limitações do sistema.

Tenho que concordar que o ambiente virtual, entendido como conjunto de ferramentas e normas de uso (ex. bloqueio de alguns sites e ferramentas), pode ser impactante na interação assim como em outras situações que acontecem off-line e que fogem à observação do pesquisador.
            Nas disciplinas que ministro a distância, por exemplo, é comum os alunos reclamarem de problemas com conexão em alguns horários específicos; da dificuldade de acessar alguns sites por limitações do equipamento; da falta de determinados softwares, de browsers desatualizados; ou de envios mal sucedidos de seus e-mails devido a bloqueios de provedoras. Esse último problema, geralmente, ocorre em função de uma política de proteção contra spams (mensagens indesejáveis) que acaba barrando qualquer mensagem originária de provedoras de onde teriam originado os supostos spams. Outros alunos mudam o endereço eletrônico e se esquecem de avisar a secretaria do curso que, por sua vez, repassa ao professor um endereço desatualizado. Além disso, o professor ou pesquisador não tem acesso às trocas interacionais fora dos grupos por ele criados ou dos eventuais encontros presenciais entre alguns participantes, o que pode significar uma perda de dados significativa. Acostumados à pesquisa em contextos tradicionais, os pesquisadores, geralmente, se lembram de detalhar uma série de fatores, tais como sexo, idade, escolaridade, etc, mas se esquecem de descrever o contexto tecnológico em que o participante da pesquisa está inserido. Uma pergunta surge no caso da etnografia virtual. Como saber o que o aprendiz está fazendo fora dos ambientes virtuais institucionalizados? Como traçar o seu percurso no ciberespaço? Alguns ambientes virtuais oferecem meios para o registro da hora, tempo de conexão, relatórios dos hiperlinks ou páginas do curso percorridas, mas não podem registrar o que os alunos fazem quando salvam as páginas e estudam off-line. Essas e outras questões precisam ser problematizadas quando se pensa em pesquisa etnográfica em ambiente virtual.
Como vimos, têm sido utilizados para esse tipo de pesquisa não apenas arcabouços teóricos da interação e da aprendizagem face a face, mas também instrumentos de coleta típicos daquele contexto. A pesquisa com corpora, talvez seja a única que tem características próprias do meio eletrônico, as demais são semelhantes ou são adaptações de pesquisas em contextos tradicionais, sejam eles educacionais ou não.
Talamo & Ligorio (2002, p.3) aconselham pesquisar o impacto da tecnologia nos pequenos grupos sociais e sobre suas potencialidade e limites que denominam de etnotecnologia. Segundo elas, o termo foi proposto por Gaudin (1978, 1988)que identificou um descompasso entre o uso das tecnologias e as funções desenvolvidas por seus criadores. Etnotecnologia é definida como “o estudo do uso concreto das soluções tecnológicas” (Tálamo e Ligorio, 2002, p. 6) e, citando (Orlikowski and Yates, 1994), as autoras acrescentam que “ do ponto de vista cultural, toda forma de comunicação envolve todos os participantes em um processo situado, interpretativo e coletivo de significados compartilhados”.
Pode-se concluir, pois, que a etnotecnologia pode nos revelar, entre outras coisas, como as tecnologias são exploradas, que potencialidades são ignoradas, e ainda que adaptações são feitas pelos usuários. Talamo e Ligório (2002: p. 7) afirmam que:

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